jueves, 10 de enero de 2013



Após o deserto



Volto ao poema
Com o despertar das árvores
Caducas
Na hora da folhagem
Num tempo de rebentos
Na aparição das pétalas sem nome
E sem preço nas floristas

Volto ao poema
Carregado de galhos tenros e verdes
Por entre extremidades em fuga de mim
Como novos caminhos
Como extensões difusas
Como afluentes que se rasgam
No transbordo de um leito
Que corre sem visão de mar

Volto ao poema
Agora que amanheço sobre a noite
Onde rasguei as sombras que cobriram a madrugada
Agora que me revejo no espelho do horizonte
E me reencontro no caminho indefinido
Das minhas persuadidas certezas
Firmadas na eventualidade dos acontecimentos
Agora que os sentidos apenas são cinco.

Volto ao poema

domingo, 28 de septiembre de 2008

DEIXEM-ME A PAZ!

Deixem-me a paz!
Que eu saberei o que fazer
Por esses caminhos que avanço
Por esses lugares que alcanço
Por esse horizonte onde descanso
Deixando-me amanhecer.

Eu sou aquele
Que não parte
Desta parte
Que me parte
A alma em mil pedaços
Esquartejada por abraços
De intuitos devassos
Por todos os espaços.

Ordeno uma vez por todas
Mesmo sabendo que não há ordem
Em meus pensamentos e em meus passos
Mesmo reconhecendo a rectilínea desordem
Dos meus vorazes sentimentos sem cansaços
Deixem-me a paz!

Pudesse fulminar o desacerto angular da raiva
O insolente desacato imposto pelos anjos do caos
Que entoam as hossanas do ódio e da maldade
Pudesse eu ceifar a erva rasteira dessa conjura
Que brota nas margens de um pântano disfarçado.

Pudesse ser um mero esquecido pela existência humana
Um louco inimputável que ninguém condena por piedade
Um marginalizado sem queixa alguma de abandono social
Um sem abrigo eternamente agradecido pela sua condição.

Se eu pudesse… ai se eu pudesse…
Mas eu não posso calar meu grito
Quando me sonegam a herança
Milenar da paz de Cristo
Quando me ocultam a imagem
Plácida de um amor crucificado
Quando se mancha de sangue
A toalha do advento sobre o altar.

Deixem-me a paz!
e eu dar-vos-ei a paz do meu silêncio.

sábado, 9 de agosto de 2008

Da janela do meu quarto

Quando eu era criança
Desenhava o amanhã
Da janela do meu quarto
E pintava a profundidade dos dias
Com a cor de fundo do horizonte

Quando eu era criança
Os meus sonhos debruçavam-se
De braços abertos sobre o infinito
E todo o latejar da vida
Transpunha o parapeito
Da janela do meu quarto

Mas pouco a pouco
Fui perdendo os pincéis
E foi-me faltando a tinta
E a tela sobre a qual
Imaginava o amanhã
Da janela do meu quarto
Era a criança que fui outrora

E como ainda penso
Na criança que era
Da janela do meu quarto…
Porque hoje apenas estou
Na janela do meu quarto.

Na verdade nunca estive
Tanto no meu quarto como hoje
E na minha janela como agora
Circunscrito àquele lugar.

Quando eu era criança
Da janela do meu quarto…

domingo, 22 de junio de 2008

O verbo do silêncio

Precisamos do silêncio para escutar
O mais íntimo de nós a que somos surdos
Nesta encruzilhada de diálogos infecundos
Em que teimamos medir a força de um verbo
Obeso da bulimia de um ouvido faminto
De apenas escutar a sua voz.

Conceder-nos o silêncio, a nossa mudez
Onde a hora calada nos segrede o verbo
Mais antigo e cravado na nossa carne
Purificando o sangue que nos deu vida
Na palavra germinada sem falar.

Colhemos da caminhada no silêncio
A consistência oportuna de um instante verbal.

martes, 25 de septiembre de 2007

Que o tempo nos baste



O tempo que espere

O teu beijo, prometido.

O tempo que espere

O regresso de teus lábios

Em sorrisos gravados em mim.

O tempo que espere

Teu corpo, sonhado meu

No leito solitário

Em que me adormeço.

O tempo que espere

Sempre por ti

Dando-me a vida

Que nos baste.

jueves, 26 de julio de 2007

REENCONTRO COM A DESPEDIDA




Despedimo-nos com um olhar de Outono chegado
Sentindo um abandono intemporal da primavera
Que permanecera entre nós sem outra estação.

Partimos numa dúvida decidida de partir
Porque há quem parta por mera imposição
De uma vontade racional que não se sente.

Jamais falámos senão na distância de pensamentos a sós
Aventurando-me na previsão de respostas dadas por ti
Aos questionários formulados pela minha solidão
Em linhas de horizontes que se despediam de mim.

Em quantas páginas seguintes nos reinventámos
Num livro continuado pela fantasia do amanhã
Onde se traçava um caminho a par e diferente
Do precipício que vislumbrámos face a face.

Chegados ao local do reencontro
Revemos a imagem actualizada do passado
Onde o abismo estende uma ponte à outra margem
E o presente amanhece como se o amanhã fosse nosso
Num recomeço que apenas aguarda serenamente a sua hora.

Há partidas que serão sempre regressos sem previsão
Deixadas ao destino traçado no mistério dos seus passos.

lunes, 16 de julio de 2007

Far-te-ei




Far-te-ei o canto da ave em que desperto
De um sono calmo onde já és sonhada;
Far-te-ei o primeiro rasgo de luz na madrugada
Que traça teu corpo nu e cintilante;
Far-te-ei o sonho sobre o qual caminho
Numa visão do longe em que te alcanço;
Far-te-ei o leito da noite onde me deito
Sem horas certas para te deixar de sonhar;
Far-te-ei meu sonido num silêncio perpétuo
No qual te escuto e te oiço só a ti;
Far-te-ei o meu ocaso e a madrugada
Onde me adormeço e em ti renasço;
Far-te-ei em tudo o que em minha vida acontece
No mais ínfimo sinal desta existência;
Far-te-ei o mar e a areia, a minha praia
Em que permanecerei depois de partir.

Far-te-ei apenas minha porque te amo.