domingo, 28 de septiembre de 2008

DEIXEM-ME A PAZ!

Deixem-me a paz!
Que eu saberei o que fazer
Por esses caminhos que avanço
Por esses lugares que alcanço
Por esse horizonte onde descanso
Deixando-me amanhecer.

Eu sou aquele
Que não parte
Desta parte
Que me parte
A alma em mil pedaços
Esquartejada por abraços
De intuitos devassos
Por todos os espaços.

Ordeno uma vez por todas
Mesmo sabendo que não há ordem
Em meus pensamentos e em meus passos
Mesmo reconhecendo a rectilínea desordem
Dos meus vorazes sentimentos sem cansaços
Deixem-me a paz!

Pudesse fulminar o desacerto angular da raiva
O insolente desacato imposto pelos anjos do caos
Que entoam as hossanas do ódio e da maldade
Pudesse eu ceifar a erva rasteira dessa conjura
Que brota nas margens de um pântano disfarçado.

Pudesse ser um mero esquecido pela existência humana
Um louco inimputável que ninguém condena por piedade
Um marginalizado sem queixa alguma de abandono social
Um sem abrigo eternamente agradecido pela sua condição.

Se eu pudesse… ai se eu pudesse…
Mas eu não posso calar meu grito
Quando me sonegam a herança
Milenar da paz de Cristo
Quando me ocultam a imagem
Plácida de um amor crucificado
Quando se mancha de sangue
A toalha do advento sobre o altar.

Deixem-me a paz!
e eu dar-vos-ei a paz do meu silêncio.

sábado, 9 de agosto de 2008

Da janela do meu quarto

Quando eu era criança
Desenhava o amanhã
Da janela do meu quarto
E pintava a profundidade dos dias
Com a cor de fundo do horizonte

Quando eu era criança
Os meus sonhos debruçavam-se
De braços abertos sobre o infinito
E todo o latejar da vida
Transpunha o parapeito
Da janela do meu quarto

Mas pouco a pouco
Fui perdendo os pincéis
E foi-me faltando a tinta
E a tela sobre a qual
Imaginava o amanhã
Da janela do meu quarto
Era a criança que fui outrora

E como ainda penso
Na criança que era
Da janela do meu quarto…
Porque hoje apenas estou
Na janela do meu quarto.

Na verdade nunca estive
Tanto no meu quarto como hoje
E na minha janela como agora
Circunscrito àquele lugar.

Quando eu era criança
Da janela do meu quarto…

domingo, 22 de junio de 2008

O verbo do silêncio

Precisamos do silêncio para escutar
O mais íntimo de nós a que somos surdos
Nesta encruzilhada de diálogos infecundos
Em que teimamos medir a força de um verbo
Obeso da bulimia de um ouvido faminto
De apenas escutar a sua voz.

Conceder-nos o silêncio, a nossa mudez
Onde a hora calada nos segrede o verbo
Mais antigo e cravado na nossa carne
Purificando o sangue que nos deu vida
Na palavra germinada sem falar.

Colhemos da caminhada no silêncio
A consistência oportuna de um instante verbal.